Os pequenos com atraso no desenvolvimento ou que
nascem com anormalidades agora têm garantido por lei o direito a um
atendimento multidisciplinar já nos primeiros dias de vida. Entenda a
importância disso para o crescimento saudável desses brasileirinhos.
Dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) apontam que 5,3% dos brasileiros com idades entre 0 e
14 anos sofrem com a deficiência visual. Quando se trata de problemas
auditivos, essa faixa etária representa 1,3% dos afetados. Alterações
motoras atingem 1% das crianças e jovens, e os problemas mentais e
intelectuais acometem 0,9% dos cidadãos mirins. Todas essas pessoas
sofrem, desde a infância, com a falta de acesso a uma educação de
qualidade, a uma cidade adaptada às suas demandas e, muitas vezes, a um
sistema de saúde que atenda suas necessidades para um desenvolvimento
normal e saudável.
Mas o Brasil deu mais um passo rumo a essas
conquistas. Aprovada no dia 6 de julho de 2015, a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) entrou em vigor no último dia 2
de janeiro. Também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, a
LBI traz avanços em diversas áreas de políticas públicas que beneficiam
toda a população, inclusive os pequenos. No campo educacional, por
exemplo, a lei estabelece uma educação mais inclusiva. Já na saúde, um
dos principais pontos é o direito ao diagnóstico e à intervenção
precoces, realizados por uma equipe multidisciplinar. E é nessa questão
que queremos focar.
"Diversos estudos mostram que quanto mais
cedo um bebê recebe os estímulos certos, muito mais promissor será seu
desenvolvimento", observa a deputada Mara Gabrilli, relatora do projeto
que deu origem à LBI. E isso vale para todos os recém-nascidos, até
mesmo aqueles com qualquer tipo de deficiência. Só que, no caso deles,
muitas vezes é necessário que essa estimulação seja feita e acompanhada
por especialistas, a fim de detectar e prevenir atrasos - e é disso que
se trata a intervenção precoce. "Ela é fundamental para o sucesso na
comunicação, socialização, coordenação motora e outros aspectos do
crescimento dessas crianças", destaca a deputada.
A seguir, saiba mais sobre quem pode receber intervenção precoce, suas vantagens e onde ter acesso a esse direito.
Quem pode se beneficiar com a intervenção precoce
Não
são apenas os recém-nascidos com deficiência que estão aptos a contar
com esse atendimento. Crianças que nascem com malformações cerebrais,
cardiológicas ou mesmo de face, como o lábio leporino, também são
indicadas para a intervenção precoce. Os pequenos que têm complicações
decorrentes de infecções intraútero - a exemplo de sífilis, toxoplasmose
e HIV - também fazem parte da turma que deve receber um atendimento
multidisciplinar.
"Prematuros que tiveram asfixia neonatal ou que
ficaram em uma internação prolongada também têm indicação", conta a
neuropediatra Danielle Christofolli, médica responsável pelo Ambulatório
de Diagnóstico da APAE de São Paulo. Crianças autistas são outras que
podem tirar vantagem da terapia antecipada, embora o diagnóstico do
transtorno não seja feito logo nos primeiros meses de vida.
Microcefalia
Os
pequenos que nascem com essa malformação cerebral estão no time
daqueles que devem receber a intervenção precoce. "Se forem atendidos
logo nas primeiras semanas de vida, é possível amenizar problemas que
esses bebês tenham para amamentar e se posicionar ou mesmo prevenir que o
corpo deles cresça de uma forma anormal", exemplifica o terapeuta
ocupacional americano Bryan Mattson, especialista em pediatria e
intervenção precoce.
Daí porque o Ministério da Saúde lançou as
Diretrizes de Estimulação Precoce para crianças de 0 a 3 anos com atraso
no desenvolvimento neuropsicomotor causado pela microcefalia. O
documento foi elaborado devido ao surto da malformação em todo o país,
provocado pelo vírus zika. Além de orientar funcionários da rede pública
de saúde para intervir e estimular corretamente, o governo pretende
capacitar 7.525 profissionais para atuar em conjunto no atendimento a
esses pacientes.
A importância de intervir cedo
"Quanto
antes a gente intervém, mais novo e maleável é o cérebro da criança",
diz Danielle Christofolli. Desse modo, a chance de o pequeno absorver os
estímulos recebidos é bem maior. "Isso tem a ver com a plasticidade do
sistema nervoso central ao longo da primeira infância", explica a
neuropediatra da APAE. O ideal é que o tratamento comece antes dos 12
meses. "O desenvolvimento cerebral é muito grande nos primeiros dois
anos de vida. Se você perde essa janela de oportunidade para estimular a
criança, fica mais difícil depois", pontua a neuropediatra Mara Lúcia
Schmitz Santos, coordenadora do Ambulatório Bebê de Risco do Hospital
Pequeno Príncipe, em Curitiba, no Paraná.
Inclusive, se a
intervenção demora para acontecer, as dificuldades e atrasos do pequeno
tendem a piorar. "A criança não vai parar de aprender, brincar e crescer
porque ela tem um problema. Ela vai achar o caminho mais fácil para
fazer isso, o que nós chamamos de compensação", ensina Bryan Mattson.
Segundo ele, a partir do momento em que essas alternativas viram regra,
fica difícil revertê-las. "Então, quanto mais tempo o pequeno passar sem
terapia, mais ele vai desenvolver maneiras anormais de fazer uma séries
de coisas", conclui o especialista.
Vantagem econômica
Segundo
Mattson, diversos estudos já demonstraram que, em termos de saúde
pública, a intervenção precoce também é uma forma de economizar. "Uma
pesquisa mostrou que para cada 1 dólar gasto antes dos 3 anos, 17
dólares são economizados depois dessa idade", conta o terapeuta
ocupacional. Isso significa que, quanto mais cedo a terapia começar,
menos será gasto com outras técnicas terapêuticas lá na frente.
Equipe multidisciplinar
A
intervenção precoce pressupõe um atendimento multidisciplinar, ou seja,
que inclui profissionais de várias áreas: fisioterapeutas, psicólogos,
médicos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais... O ideal é que esse
atendimento seja feito em conjunto, de modo que todos os especialistas
se comuniquem e atendam da melhor forma os pequeninos. "Apenas um
profissional não consegue atingir todas as esferas de tratamento de que
essas crianças necessitam. Um paciente com atraso motor e de fala, por
exemplo, precisa de um fisioterapeuta e de um fonoaudiólogo", esclarece
Danielle Christoffoli.
Vale lembrar que a família também tem um
papel fundamental nesse processo. Até porque, é no ambiente domiciliar
que a criança passa a maior parte do tempo e recebe um grande número de
estímulos. "Quando os familiares se engajam no tratamento e seguem as
orientações dos profissionais, é criado um ambiente de continuidade da
terapia em casa", orienta a neuropediatra da APAE de São Paulo. Quando
os pequenos vão para a escola, essa instituição também passa a ter uma
grande responsabilidade sobre o seu desenvolvimento.
Como ter acesso à intervenção precoce
Em
geral, se o bebê não foi diagnosticado com nenhum problema ao deixar a
UTI neonatal, é o pediatra quem vai detectar eventuais atrasos no
desenvolvimento. Nesses casos, ele pode decidir encaminhar o pequeno
para um centro especializado em intervenção precoce. Se o atendimento
for feito na rede pública, a criança pode ser encaminhada para um dos
136 Centros Especializados em Reabilitação (CER) do país ou para algum
dos Núcleos Integrados de Reabilitação do município em que ela mora.
Entidades
como a APAE, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e a
Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação também oferecem esse tipo de
atendimento. Instituições privadas - a exemplo dos hospitais Albert
Einstein, Sírio Libanês e Santa Joana, todos em São Paulo, e do Pequeno
Príncipe, no Paraná - são outras que contam com ambulatórios
especializados na estimulação dessas crianças.
Fonte: educarparacrescer.abril.com.b